Literatura e políticas literárias: uma leitura crítica do Plano Nacional Biblioteca da Escola (PNBE)

As políticas literárias de Estado são um dos agentes fundamentais de promoção e legitimação do campo literário, ao lado de políticas de mercado, como o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). A partir da compreensão de que o valor do literário acolhe definições transitórias, construídas por agenciamentos discursivos que se deslocam em um campo simbólico e político, o objetivo dessa pesquisa é compreender quais constructos literários foram engendrados pelo PNBE, ao longo de seus dezoito anos de existência. A leitura e a análise de quais representações literárias e culturais articularam-se como projeto nacional, por meio de documentos oficiais e acervos, fazem emergir os processos de seleção e de exclusão que contribuíram para a produção dos cânones, o fortalecimento e, por vezes, a tentativa de dissolução dos padrões literários hegemonicamente estabelecidos. Após o mapeamento dos editais de seleção do PNBE, a pesquisa demonstrou que o programa esteve dividido em três fases, com concepções literárias e políticas específicas, e em constante progressão para ampliação do campo de legitimação do panorama literário. Desde a seleção de obras sem a disseminação dos critérios de avaliação, contemplando uma historicidade da tradição literária brasileira, passando para as duas fases seguintes com a ampliação das discussões acerca do literário e do repertório escolhido, incluindo novas temáticas, gêneros discursivos, autorias e representatividade das obras. Recortado o PNBE 2013, última ação desenvolvida pelo programa para formação de leitores dos anos finais do Ensino Fundamental, os dados da pesquisa demonstraram um esforço em superar uma visão panorâmica restrita. Contudo, ao passo que fica evidente a porosidade das fronteiras do literário, com a inclusão de obras que entrecruzam linguagens, formatos e lugares diversos; sobressaem, ainda, narrativas, territórios, personagens, autores, etnias marcados por um suposto padrão, produzidos pelo próprio campo de legitimação do processo de seleção. A pesquisa concluiu que essa disputa do território literário, em um projeto nacional, pode contribuir potencialmente para construção de um imaginário discursivo e de memória cultural coletiva ao longo das gerações de leitores em todo território nacional. Os estudos foram sustentados pelos aportes de Bourdieu (1996), Souza (2002), Lajolo e Zilberman (2004), Maciel (2009), Petit (2009), Dalcastagnè (2012), Ludmer (2013).