A língua é o veículo para a mundialização das informações (ESTERMANN, 2010), mas como se trata de um veículo é governado por sujeitos. A língua não informa simplesmente, mas forma, reforma e deforma. Se a língua intervém nos sujeitos envolvidos na interação, seu uso é uma atividade política que reflete as predileções ideológicas de quem representa (RAJAGOPALAN, 2004). Prova disso são as marcas de políticas imperialistas em línguas internacionais como o espanhol, o francês e o inglês. No entanto, esta última avança a passos largos no seu processo de desterritorialização, o que a eleva da condição de língua internacional para a de língua do mundo e não apenas do império. Há muitas questões que envolvem a constatação do espanhol com função de língua franca (doravante, ELF) em contextos de comunicação entre falantes de diferentes linguaculturas. Há uma fragilidade político-econômica em alguns países de língua espanhola que dificulta o processo, porém não o impede, e há demandas sociais bem diversas que vão desde conceitos puristas que habitam o imaginário de determinados linguistas e falantes em geral, passando por ideologias linguísticas até chegar à manutenção de estereótipos culturais, todos na contramão do decurso que aparece como consequência de uma outra demanda – a globalização tecnológica. Há ainda um entrave externo, oriundo de um país que não tem o espanhol como língua materna e que resiste em aceitá-lo como segunda língua – os Estados Unidos da América. O presente estudo, de cunho teórico, apresenta, por meio de revisão bibliográfica, o ELF como uma língua de comunicação em cenário de língua franca. Uma interação de caráter intercultural, na qual são postas em contato o background linguístico-cultural de cada interlocutor. Neste encontro comunicativo, não há uma língua pré-concebida, mas a co-construção de uma forma fluida, que está em constante reformulação através da negociação de sentidos, simplificações (todos os processos linguísticos que levam a uma diminuição no potencial referencial ou não referencial da língua), reduções (o aumento da regularidade ou a diminuição do traço linguístico mais marcado), inovações linguísticas, entre outros recursos que contribuam para a manutenção da interação. Tendo como objetivo geral a teorização do ELF, este trabalho de natureza exploratória visa definir o conceito de língua franca dos estudos contemporâneos para o inglês (COGO; DEWEY, 2012; SEIDLHOFER, 2011; JENKINS, 2015; SIQUEIRA, 2018, GIMENEZ et al., 2015), comparando-o com a língua franca do sentido originário e com o espanhol língua franca da política linguística espanhola. Sob as lentes da Glotopolítica (ARNOUX, 2010, LAGARES, 2018), são discutidas as implicações do ELF, refletindo sobre as ideologias que cruzam o campo deste fenômeno sociolinguístico (UR, 2010), que é um paradigma empírico e teórico em si mesmo. Em defesa do ELF como uma realidade que surgiu a partir da demanda da globalização das comunicações e que está muito além de governos individuais e indústrias da língua, buscou-se demonstrar como o ELF problematiza a política pan-hispânica do grupo espanhol e substitui a ideologia linguística da hispanofonia (DEL VALLE, 2007) por uma ideologia translíngue (GARCÍA; OTHEGUY, 2015; GARCÍA, 2009; GARCÍA, 2014; GARCÍA; SELTZER, 2016; CANAGARAJAH, 2017).